quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Último beijo



Há momentos em que uma pessoa recorda o passado. Um ano, um ano a passar mais depressa do que devia. Com melhores momentos que outros, sendo os melhores aqueles que dominavam na altura. Passeavam pela praia, um pôr-do-sol intenso. Reflectiam-se os raios de sol na água. O extenso oceano, que anteriormente era de um azul forte, tornara-se, por breves instantes, por fascinantes instantes, num tom alaranjado que cobria as suas ondas. O céu, também de um azul forte, ia sendo pintado pelos tons rosa, lilás e amarelo e escurecendo progressivamente. Observavam, contemplavam a paisagem. Tão bela e tão perfeita.
Recordavam o quão fora perfeita, completa e bela a sua vida até então. Onde podiam vir mil e uma tempestades que nada deitava abaixo o optimismo e a felicidade da união. Tal e qual o que esta paisagem transmitia. Felicidade, beleza, união, optimismo, força! Sentaram-se na areia fina que também era pintada por aqueles tons apaixonantes. Formara-se um feixe de luz, mesmo na sua direcção, como que se guiasse o caminho em direcção ao horizonte. Horizonte este tão distante mas que havia ficado tão delineado pelo laranja proveniente da luz do sol. Não dizem nada.
Focam-se nesse feixe de luz. Deixam-se encegueirar por ele para não terem mais de enfrentar a solidão, a tristeza e o medo do futuro. Para não terem mais que relembrar o passado, construído e vivido com tanta alegria mas que fora destruído pelo presente. Estavam os dois, vidrados na luz, vidrados na perfeição de paisagem tão maravilhosa. Perto mas sem haver qualquer contacto. Longe, sem querer pensar no passado, no presente e muito menos no futuro. Olhavam à sua volta mas não se viam um ao outro. Não viam ninguém. Estavam ali, completamente perdidos num pensamento vazio.
O vento, que era pouco mas suficiente para ouvir as folhas das palmeiras bater, levantou um pouco de areia que lhes foi bater aos olhos. Instantaneamente, procuraram um apoio. Alguém, algo que os ajudasse a limpar.. a mágoa, a dor. Estavam à procura do mesmo mas incapazes de encontrar o que procuravam. Baixaram a cabeça, em silêncio, sempre em silêncio.. e deixaram-se aquecer, encolhidos em si próprios, pelo final do dia. Ouviam soluços mas nenhum tinha forças suficientes para levantar a cabeça e ver do que se trata. Nenhum deles tinha vontade de mostrar parte fraca. Choraram em silêncio pelo presente que destruiu o passado. Pelo presente que destruiu o futuro. Pelo passado que mantinha de pé o presente e insentivava o futuro. Passado esse que tinha sido completo, vivido e cheio de certezas. Presente este que era incompreendido, confuso e desorientado. Futuro esse que estava inteiramente dependente deles. De certezas que não tinham, de momentos que já não eram partilhados, de sorrisos que já não eram dados.
Os pássaros que sobrevoavam um céu tão recheado de cor, cantavam ao sabor do vento, livres. Este cântico, puro e harmónico, chega-lhes aos ouvidos e finalmente levantam a cabeça após uma longa reflexão. Nenhum deles fala. Limitam-se a olhar um para o outro e depois disso levantam-se de mãos dadas. Um abraço, sentido e acompanhado de lágrimas a percorrerem levemente o rosto, faz com que nunca mais quisessem sair daquele conforto. Daquele conforto que mais ninguém conhecia e que trazia toda a paz e segurança do mundo.
Nenhum deles queria tomar a iniciativa de maneira que, em silêncio, acabam por tomá-la os dois. Voltam a olhar-se profundamente e acabam por dar um beijo. Um beijo como nunca tinha havido outro igual. Um beijo de lembrança do passado. Um beijo de despedida do presente. Um beijo para relembrar no futuro como o último. O último beijo. Viram as costas, cada um para ser lado, seguindo diferentes rumos. Passa-lhes pela cabeça virarem-se e correrem para os braços um do outro, onde ainda há poucos segundos se sentiam tão bem. Mas sabiam, sabiam que esse momento não era mais do que isso. Um bom momento entre duas pessoas que se tinham amado, muito. Que tinham vivido e partilhado muito. E assim continuaram sem destino, sem propósito e sem objectivo, sozinhos, relembrando aquele: último beijo.