segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Memórias do inexistente


"E assim continuaram sem destino, sem propósito e sem objectivo, sozinhos, relembrando aquele: último beijo."



Lembra-se. Lembra-se do último beijo.

No vazio. Agora só pode ser lembrado no nada que existe.

Sem destino. Sem propósito. Sem objectivo. Sozinha. No meio do nada. Mergulhando constantemente nas mil e uma memórias do inexistente. Com um turbilhão de emoções a assombrar a alma. Com o pensamento apenas num sítio, numa pessoa: no ele. Que não existe.


Vai percorrendo as pequenas ruelas recheadas de pessoas. Cada uma delas com o seu telemóvel, com a sua pressa, com a sua conversa. Têm todos problemas, pensa ela. Todas estas pessoas já passaram pelo mesmo, de maneiras diferentes com histórias diferentes. Mas todas já tiveram na sua situação. Não pode ser egoísta consigo mesma e desliga dos outros. Quer e precisa do seu momento a sós mesmo que seja num sítio de multidão. Continua em frente, olhando para todos, não vendo ninguém. Vem-lhe tudo à cabeça...


A voz racional a falar quando conversou. A postura racional quando pela primeira vez o viu de novo. A atitude racional quando pela primeira vez o viu sem ela. Tudo isto, todo o poder racional, desapareceu dando lugar ao que agora chama de: isolamento, tristeza, raiva, saudade. Ignora toda a gente pois não consegue sentir ou pensar. Só consegue olhar o vazio, bem longe daquele sítio. Daqueles sítios. Dos muitos por onde passaram juntos e pior do que serem muitos é serem todos aqueles pelos quais ela tem de estar e passar todos os dias. É outro mundo. Um mundo onde ninguém, por mais que tente e/ou queira, não consegue entrar e muito menos compreender.


É uma dor diferente das outras todas, única e pessoal. Vem a primeira lágrima, continua em frente sem ligar aos olhares preocupados, mas ao mesmo tempo desinteressados, de todos aqueles desconhecidos que passam paralelamente a ela.


Sente-se como que se o corpo estivesse corroído por dentro. Olheiras, cansaço, olhos inchados, corpo a tremer. É o resultado de uma dor que tem vindo a aprofundar e a agravar a cada dia que passa. Ela estava farta. Sim, já estava farta de não conseguir voltar ao mundo dela. Ao mundo normal. De não conseguir interagir, rir naturalmente, conversar. De não conseguir falar sem tremer, de não conseguir esquecer. De não conseguir abraçar sem chorar.


Lembrou-se do fim da manhã quando uma amiga a abraçou. Sabia que estava frágil mas não fazia ideia de que um simples e comum abraço que no fundo foi tudo menos comum, a faria deixar escorrer tão descontroladamente as lágrimas que estavam ali retidas há algum tempo. E assim foi.

Era uma mistura de sentimentos. Um querer voltar ao passado. Um querer que o presente passe depressa. Uma esperança num futuro melhor. Um querer esquecer, um querer voltar. Querer relembrar com alegria mas relembrar com tristeza. Grandes quantidades de pequenas memórias que voam alternadamente pela mente, completamente desordenadas, aparecendo inapropriadamente, fazendo as lágrimas regressarem ao rosto a cada segundo que passa.


Não sabe onde já está. Já andou muito, já pensou muito. Mas não quer parar. Quer continuar a andar, cada vez mais rápido naquela rua que parece não ter fim. Vai andando cada vez mais depressa como que se quisesse deitar tudo o que estava preso para fora. Rapidamente e com eficácia para que nada continue a atormentá-la daí para a frente e continua a pensar..


Ela viu-o. Viu-o nessa manhã.


O coração acelera quando o vê. As pernas ficam fracas, a voz treme. O poder racional tenta controlar a situação, e controla por instantes, mas basta um abraço. Um abraço de alguém que aparentemente não repara que precisamos dele e que o dá "por dar" mas acaba por ser um abraço dos importantes, em que todo aquele poder racional volta a desaparecer, dando lugar às centenas de lágrimas que numa fracção de segundo derramam dos olhos, sem parar e sem destino. Tudo o que parecemos estar a controlar, tudo o que aparentamos estar a controlar, não passa de uma máscara que esconde tudo o que vai cá dentro.


Sorrisos forçados. Piadas forçadas para a fazer rir. Convites para ir ver um filme, para ir dar uma volta para se poder distrair. Ela pode, ela até quer pois não quer ficar em casa. Quer sair, quer distrair-se, quer tentar divertir-se e é aqui que a máscara até actua bem. Mas não consegue. Não consegue deixar de pensar e o olhar fixo no vazio volta a estar presente. Os olhos voltam a encher-se de lágrimas. As pessoas voltam-lhe a ser indiferentes. E aqui a máscara já não faz mais efeito.


Tudo o que queria mostrar: determinação e força em continuar em frente, é destruída por esses momentos de fraqueza absoluta em que nada importa. Ninguém importa. Naquele momento, só as memórias parecem importar e não deviam. Pois são elas que a fazem ficar assim como que se despida, sem ter suporte para acreditar que aqueles momentos dos quais se recorda vezes e vezes sem conta foram reais e sem ter força para distinguir o passado do presente e do futuro.


Passado, presente, futuro. Ela pára a meio da rua. Olha para o céu azul, sem uma única nuvem. Não consegue distinguir nada no céu apesar de saber que, lá para cima, existe tanto que é conhecido e de saber que há ainda tanto por conhecer.. tal como o passado, presente e futuro. O conhecido e o desconhecido, todos envolvidos num só como naquele céu azul. Volta a olhar em frente. Continua a andar, mais depressa ainda.


O passado parece que nunca aconteceu pois é recordado pelas memórias do inexistente. O presente é tão confuso que é quase impossível distinguir o que se passou do que se está a passar e imaginar o que se vai passar dali para a frente. O futuro parece inalcansável. Parece algo que não existe. E não existe mesmo. Ainda não.


Sente que os dias vão passando e passando. A dor agravando. O choro diário. A saudade constante. A vontade de voltar a ouvir a voz, a abraçar, a beijar. O querer acreditar que há-de mudar mas só conseguir acreditar que nada vai mudar, que vai continuar tudo igual. Por outro lado, o querer esquecer. O querer desaparecer pois não sabe. Não sabe nada dele nem do que ele está a sentir. É-lhe totalmente desconhecido como anda, onde anda, com quem anda. Se está bem, se está mal. Se pensa nela, se não.


Neste mesmo momento ela finalmente repara em alguém. Num casal de jovens que passeia com uma leveza e cumplicidade que inveja. Dão as mãos, partilham sorrisos. Parecem estar felizes e ela sorri e depois chora de novo. Volta a andar.. mais lágrimas..


Faz-lhe confusão. Dá voltas e voltas à cabeça perguntando-se como e porquê que uma vida em conjunto durante tanto tempo muda do tudo para o nada dum dia para o outro. Do partilhar uma vida a dois, de saber de um outro a não ser de si próprio, de querer ouvir, querer cuidar, querer proteger. De amar. Para voltar a uma vida da qual já nem se lembra como era em que se é apenas um "eu". Em que se tem de te proteger só a si, de se cuidar, de se ouvir a si próprio, de se amar a si próprio sem ser amado e sem ter a quem amar. Custa chegar a esta conclusão sozinho e ela sabe. Ela sabe que custa. Está-lhe a custar, tanto. Sabe que as coisas estão em constante mudança. Mas não sabia, ainda não sabia o que era sentir como se estava a sentir.


Começam as dores de cabeça. Pensa em sentar-se um bocado para descansar pensando que já tinha acabado de deitar tudo o que tinha a deitar para fora. Senta-se à beira do mar e observa pormenorizadamente cada onda que vem dar à costa. Repara no rebento da onda. Na espuma. Na confusão de água, das pedras e da areia e afinal não tinha acabado ainda e voltar a pensar, de olhar fixo naquelas ondas que estragam com a calma do mar..


Ela não sabe como agir. Não sabe o que dizer nem o que fazer. Não sabe dele. Não sabe se ele sabe ou não como agir, o que dizer ou o que fazer também. Não pode fazer deduções. Sabe apenas dela e disto só tira conclusões às quais queria fugir. Que ela tem de se afastar. De se mentalizar que acabou. De não ter esperanças. De desistir. Uma desistência supostamente para uma melhor vivência tanto dela como dele.


Começam as perguntas.. Nunca mais sairia daquele inferno.


Seria mesmo assim? Seria isso o melhor para os dois? Não foi para isso que viraram as costas um ao outro e seguiram diferentes caminhos? Para ela, naquele momento, esta decisão tinha trazido ainda mais sofrimento. Então, afinal? Esperaria que os caminhos voltassem a se cruzar? Faria o possível para que não se cruzassem, ou para que se cruzassem?


Não sabe. Ela não sabe nada. Vive e há-de viver numa dúvida eterna do: fez bem, fez mal? Podia estar melhor ou estaria pior? Estaria mais feliz ou menos feliz? Eram demasiadas perguntas nas quais ela pensava a toda a hora e que a fazia ficar cheia de dores, com a cabeça a andar à roda e sem obter uma resposta que fosse. Decide que tem de sair de onde estava pois não era um sítio muito seguro para uma pessoa que se estava a sentir realmente zonza. Salta do muro, volta a olhar o mar, agora sem ver as ondas, a calma.. a serenidade.. e volta a andar, de volta a casa.


Ela não sabe nem vai saber o que estará certo, o que estará errado. Não sabe o futuro. Vai deixar-se seguir neste ciclo que é a vida. Passa. Ela sabe que passa. Com o seu tempo, tudo passa. Sabe que tem pessoas que a amam pela pessoa que é, pessoas essas que são aqueles amigos, os verdadeiros, que a estão a ajudar muito, que ela sabe que não deixarão de o fazer e que aos poucos, com a ajuda deles, vai tudo voltar ao sítio certo. É uma fase que magoa, que enfurece, que nos mata interiormente. Mas depois dessa fase passar, voltará a estar bem porque a vida segue em frente. Mas para a eternidade ficarão as memórias do inexistente.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Último beijo



Há momentos em que uma pessoa recorda o passado. Um ano, um ano a passar mais depressa do que devia. Com melhores momentos que outros, sendo os melhores aqueles que dominavam na altura. Passeavam pela praia, um pôr-do-sol intenso. Reflectiam-se os raios de sol na água. O extenso oceano, que anteriormente era de um azul forte, tornara-se, por breves instantes, por fascinantes instantes, num tom alaranjado que cobria as suas ondas. O céu, também de um azul forte, ia sendo pintado pelos tons rosa, lilás e amarelo e escurecendo progressivamente. Observavam, contemplavam a paisagem. Tão bela e tão perfeita.
Recordavam o quão fora perfeita, completa e bela a sua vida até então. Onde podiam vir mil e uma tempestades que nada deitava abaixo o optimismo e a felicidade da união. Tal e qual o que esta paisagem transmitia. Felicidade, beleza, união, optimismo, força! Sentaram-se na areia fina que também era pintada por aqueles tons apaixonantes. Formara-se um feixe de luz, mesmo na sua direcção, como que se guiasse o caminho em direcção ao horizonte. Horizonte este tão distante mas que havia ficado tão delineado pelo laranja proveniente da luz do sol. Não dizem nada.
Focam-se nesse feixe de luz. Deixam-se encegueirar por ele para não terem mais de enfrentar a solidão, a tristeza e o medo do futuro. Para não terem mais que relembrar o passado, construído e vivido com tanta alegria mas que fora destruído pelo presente. Estavam os dois, vidrados na luz, vidrados na perfeição de paisagem tão maravilhosa. Perto mas sem haver qualquer contacto. Longe, sem querer pensar no passado, no presente e muito menos no futuro. Olhavam à sua volta mas não se viam um ao outro. Não viam ninguém. Estavam ali, completamente perdidos num pensamento vazio.
O vento, que era pouco mas suficiente para ouvir as folhas das palmeiras bater, levantou um pouco de areia que lhes foi bater aos olhos. Instantaneamente, procuraram um apoio. Alguém, algo que os ajudasse a limpar.. a mágoa, a dor. Estavam à procura do mesmo mas incapazes de encontrar o que procuravam. Baixaram a cabeça, em silêncio, sempre em silêncio.. e deixaram-se aquecer, encolhidos em si próprios, pelo final do dia. Ouviam soluços mas nenhum tinha forças suficientes para levantar a cabeça e ver do que se trata. Nenhum deles tinha vontade de mostrar parte fraca. Choraram em silêncio pelo presente que destruiu o passado. Pelo presente que destruiu o futuro. Pelo passado que mantinha de pé o presente e insentivava o futuro. Passado esse que tinha sido completo, vivido e cheio de certezas. Presente este que era incompreendido, confuso e desorientado. Futuro esse que estava inteiramente dependente deles. De certezas que não tinham, de momentos que já não eram partilhados, de sorrisos que já não eram dados.
Os pássaros que sobrevoavam um céu tão recheado de cor, cantavam ao sabor do vento, livres. Este cântico, puro e harmónico, chega-lhes aos ouvidos e finalmente levantam a cabeça após uma longa reflexão. Nenhum deles fala. Limitam-se a olhar um para o outro e depois disso levantam-se de mãos dadas. Um abraço, sentido e acompanhado de lágrimas a percorrerem levemente o rosto, faz com que nunca mais quisessem sair daquele conforto. Daquele conforto que mais ninguém conhecia e que trazia toda a paz e segurança do mundo.
Nenhum deles queria tomar a iniciativa de maneira que, em silêncio, acabam por tomá-la os dois. Voltam a olhar-se profundamente e acabam por dar um beijo. Um beijo como nunca tinha havido outro igual. Um beijo de lembrança do passado. Um beijo de despedida do presente. Um beijo para relembrar no futuro como o último. O último beijo. Viram as costas, cada um para ser lado, seguindo diferentes rumos. Passa-lhes pela cabeça virarem-se e correrem para os braços um do outro, onde ainda há poucos segundos se sentiam tão bem. Mas sabiam, sabiam que esse momento não era mais do que isso. Um bom momento entre duas pessoas que se tinham amado, muito. Que tinham vivido e partilhado muito. E assim continuaram sem destino, sem propósito e sem objectivo, sozinhos, relembrando aquele: último beijo.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Paixão, amor, cumplicidade

A paixão é fácil. A euforia da vontade para ser feliz cala os medos, as dúvidas, as inseguranças. Mas para quem acredita numa relação, quer mantê-la e vivê-la no seu todo já é um processo longo e difícil. As pequenas coisas vão-se sobrepondo ás grandes. Vão-nas derrotando, querendo enterrar e acabar com a intimidade. Ter alguém, viver com alguém, manter esse alguém nunca foi nem nunca será um processo fácil.
A sociedade de hoje em dia tem cada vez mais medo de assumir um compromisso. De querer mantê-lo. Porque hoje tudo o que é difícil é posto de parte e toda a gente assume que tem o que quer de mão beijada. Mas tal como até hoje isso nunca deu total resultado, nunca irá dar. Há sempre qualquer coisa que falta e, mais tarde ou mais cedo, apercebemo-nos do que é que falta. Todos nós precisamos de algo que nos prenda, que nos entusiasme, que nos dê saudade, alegria, emoção. Algo por que tenhamos que lutar todos os dias para manter por já nos ser indispensável. Algo que não seja mais um peso sobre os ombros mas que nos dê prazer em investir o nosso tempo, em partilhar as nossas vidas.
Quer seja em filhos, quer seja em amantes, a cumplicidade entre duas pessoas é o resultado dessa luta. De todos os obstáculos por que passam os casais, por que passam os pais com os filhos. E é, de longe, o mais difícil de se conseguir. A solidão nunca há-de ser algo de bom. Uma coisa é ter o seu próprio tempo e espaço, um pouco de silêncio que a todos nós nos faz bem devês em quando. Outra coisa é o não ter nada que nos faça querer ser alguém no mundo. E só o amor, construído por altos e baixos, alcançado com o tempo, conquistado pela luta constante do dia-a-dia, faz com que sejamos pessoas completas.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O desconhecido


Passeio pelo desconhecido, à procura de algo. Um azul intenso tapa os céus, nem uma nuvem é vista da visão ampla que eu tenho deste infinito quadro que dá cor ao mundo. O sol é invisível. Apenas sabe-se que nasceu porque dá luz ao nada que ali existe. O trigo enche aquele vasto espaço de brilho, um dourado que se reflecte nos olhos de quem tristemente olha para os pés enquanto passeia pelo mato. Vou andando e andando, corro até, aos círculos, parecendo que por mais que corra, não irei bater a sítio nenhum. Não há trilhos, não há caminhos, não há trigo pisado de alguém que possivelmente tivesse passado pelo mesmo que eu. Nada. Não há árvores onde me possa esconder dos monstros que eu imagino com o desespero, não há troncos onde possa descansar a minha alma quando fico com falta de ar, parecendo que alguém me espreme os pulmões e nem deixa entrar nem sair a dor, não há uma flor que pudesse depositar em mim alguma esperança que eu tanto precisava para encontrar a saída, o trigo é demasiado baixo para que eu me possa agaixar e confundir-me com ele. Tento tudo, encontrar tudo e acabo por não ver nada. Por mais que eu corra parece-me sempre estar no mesmo sítio. Existe tanto, tanto espaço e no entanto, ao fim de horas e horas, nem um sítio onde me apeteça ficar. Não há ninguém. Grito por desespero. Grito por solidão. Grito por querer alguém comigo, ali. Grito por socorro. Nem o eco se me faz companhia pois nem as montanhas se existem para fazer a minha voz voltar a encontrar-se comigo. Não existe horizonte. É infinito. Dou volta e voltas a mim própria, vejo tudo a girar com uma rapidez inalcansável e caio. Caio por não aguentar mais esta ansiedade, por querer sair dali, sair desta prisão que não tem paredes, desta prisão que não tem entrada nem saída. Choro. Choro por um dia ter estado fora dali. Choro de saudade. Do mar. Do som de um instrumento. Das pessoas. Mar esse que me roubava o olhar pela manhã ao abrir as cortinas. Som esse que me fazia desaparecer e abraçar as notas de uma canção. Pessoas essas que me cativavam todos os dias com um sorriso sincero. E agora? Estou a meio da secura de um deserto e nem o som do vento se faz ouvir. Sou um ser que vagueia sozinho à procura do nada, quase a cair no erro de desistir e achar a sobrevivência algo de impossível. Limpo as lágrimas que me escorrem pelo rosto mas não consigo contê-las e vão caindo sem que eu queira. Arranjo forças, não sei onde e a partir de quê e consigo levantar-me de novo. Aquele céu que eu no início achei magnífico, agora, mesmo continuando num azul intenso, pintava-o de negro sabendo que não tinha borracha. Não me canso. A raiva invadiu-me de tal maneira que já nem olho direito e pinto com todas as minhas forças aquilo que restava de bonito na minha vida. Chego quase ao fim e páro repentinamente. Olho profundamente à minha volta e começo a rir. Um riso que parecia ser de alguém deprimido, de louco. Quando por fim, me apercebo de que desisti. Levo algum tempo a aperceber-me do quê que desisti pois tinha quase acabado com as últimas cores que pintavam o meu mundo. Olho de novo para o que resta do céu que não cheguei a pintar e sorrio, aliviada. Sorrio por não ter desistido da vida mas sim desistido de acabar com ela. O sol põe-se, e no momento em que atravessa o pouco azul que restou, brilha com toda a sua intensidade, clareando de novo o espaço que é só meu. Dou de novo uma gargalhada mas desta vez sei que é de esperança e rodopio, sem cair. Acordo. Levanto-me e abro as cortinas, vendo o mar que me retribui o meu primeiro sorriso da manhã. Toco levemente no piano que me espera ao lado da cama e voo sobre a melodia que produz. Entra o meu irmão e dá-me um beijo de bom dia e eu não reajo. Fico a observar a lua desaparecer no azul suave da madrugada, procurando ser o brilho da noite no outro lado do mundo e deixando que o sol ocupe o seu espaço. Sorrio. Sorrio por um sonho me ter ensinado que quem pinta o mundo somos nós. Quem lhe dá brilho, somos nós. Sem outros. Sem ninguém. Nós, sozinhos, conseguimos dar vida a cada espaço, seja ele qual for, que estejamos, desde que em cada célula do nosso coração haja esperança e espaço para um sorriso, uma lágrima, um momento de desespero, uma gargalhada de alívio por sabermos que nem a solidão nos faz esquecer que temos a missão de sobreviver e de procurar a felicidade a cada segundo dos nossos dias...

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Amor


...não posso mais deixar-te ficar comigo, tenho de te deixar, livre e solitário, deixar-te voar pelo horizonte do admirável oceano e deixar-te espalhar por cada gota que o forma. Não quero que mandes mais no que sinto. Vai! Goza a tua liberdade e deixa-me ser eu a escolher o meu caminho. Não quero mais que me procures, pois eu é que te quero procurar agora. Deixa-me vazia, sem ter obrigações para viver, para eu própria poder traçar o meu destino e acender as velas que guiarão o meu caminho, sem necessidade de estares a meu lado a todo o eterno segundo. Vai amor, não te esqueças do meu olhar para que quando eu te encontrar saibas quem sou e trata-me bem quando o fizer em breve. Percorrerei estradas, subirei picos, escalarei montanhas e fico à espera que o consiga sem medo e com bravura, para que te consiga tocar de novo, amor, e alcançar as nuvens. Mas agora, com enorme tristeza minha, tenho mesmo de me despedir de ti porque tornei-te numa necessidade e não num prazer. Não o quero, não te quero rebaixar nem deitar fora o valor enorme que tens, tudo o que transmites. Por isso amor, leva contigo tudo de mim e faz o que te disse. Viverei calmamente e aos poucos vou-te encontrando pelas ruelas em que passar e, como da primeira vez que o fiz, subirei às montanhas e alcançarei as nuvens onde estarás tu em plena força à minha espera.



Escrito a Outubro de 2006

O arco-íris latino


Mares de cores de tons azuis turquesa a bébé e esverdeados à areia de tons brancos como gesso ao castanho escuro. Um arco-íris inventado pela América latina, pelas ilhas de couqueiros e palmeiras a rasgar os céus, pelos animais e plantas exóticas que nelas vivem. Simplesmente fascinante e encantador, de sonho.

O amor de um "ele"


Sozinho a meio da imensidão azul ele vai pensando naquela que o faz feliz. Vai chorando os momentos que passou e desejando que a saudade seja morta e volte a poder abraçá-la. Olhando o horizonte e fechando os olhos com um sorriso, busca todas as recordações que tem, recorda todos os traços da sua cara, tentando descodificar o olhar que ainda vê, profundo e sincero vindo de grandes e expressivos olhos castanhos (sim, vulgares, mas diferentes de todos os outros a seu ver). Respira fundo, leva a mão ao peito e toca ligeiramente na água. Ao fazê-lo lembra o toque suave no corpo da rapariga que o enfeitiçou, quando pela primeira vez a pediu para dançar o slow e ela deslizou por entre os seus abraços e a dança que os uniu tão fortemente. Chama o seu nome levemente, que sobrevoa por entre o ar dos céus e desaparece com um eco pequeno. Apoiando-se na crença do destino, acredita que chegará aos ouvidos dela o facto de ele a amar incondicionalmente e o fim da história acabar num final feliz.



Escrito a Novembro de 2006